Gostaria de deixar por aqui um breve longo relato da minha desgastante caminhada com a descoberta da insuficiência renal do meu pai. Talvez isto te inspire ou mesmo te faça valorizar o que você não só carrega, mas transborda. Ao ouvir o diagnóstico tudo parecia distante e para daqui uns anos. O que foi me consumindo e conduzindo minha mente, corpo e emoções a reflexões constantes da fragilidade da vida foi ver alguém que eu amo ser atacado e sem qualquer reação perder a vida... Que havia compartilhado comigo em espermatozoides
e construções diárias desde meu nascimento. É assustador você pela manhã ver o rosto do seu pai inchado...as olheiras faltavam explodir do líquido retido que não conseguia achar o caminho de saída...nem mesmo o de emergência. Ver que a velhice faz de seres "super humanos" tão humildemente humanos a ponto de se curvarem aos menores indícios de dor...reações que tiram dos seres que quando éramos crianças tão fortes e grandes os poderes. Ver meu pai sentir e se fadigar em uma simples caminhada ou mesmo se esforçar onde não havia força alguma para mais um dia de 12 horas de trabalho. O Uber levava seu corpo já desfalecido sem o sol ter dado um bom dia. Nestes momentos eu me desligava do mundo e via as cenas que havia contracenado com ele...refletia nas lições e como meu olhar no mundo fora construído com de voz desde pequena. Chorava por dentro e as lágrimas levavam um pouco pra fora da tromba d'água que eu vivia ao rever tudo. E ainda restava uma dor eminente já sofrendo por dosagens intensas de possíveis cenas que este personagem não estaria mais nos cenários projetados na minha mente. O fato de eu estar em casa e também não deixá-lo ir sozinho ao médico ... Eu embarcava nas visitas ao Dr. Em um prédio modesto subia o elevador....aguardava eu e ele na recepção o chamado. Ao entrar no consultório espaçoso, sofá de couro.... Não me sentia bem.... Não havia nada fora do lugar....tudo limpo e aquele gelado que isolava o calor de fora...e consequentemente não era perceptível uma empatia no "calor" do coração do paciente. Via no atendimento orientações..... Checagem de exames...Creatinina..... Porcentagem do funcionamento dos rins... E um comentário que saía quente dos lábios do médico....mas que logo esfriava no inverno do consultório: Você vai viver ainda dez anos! Havia sim a opção da hemodiálise e da diálise peritoneal, mas nada que levasse o paciente a melhor escolha para sua vida agora modificada pós diagnóstico. Ao chegar e acompanhar meu pai na Santa Casa me deparei com duas estudantes de medicina analisando os batimentos... A Taísa pedindo para você checar e a analisar o inchaço das pernas (ela parece valorizar muito sua opinião). Me recordo dos risos com os olhares e depois nos lábios da bolsa e do aparelho de pressão (analógico...não sei se é assim que se diz). O aparelho parecia vestir colorido.... Ali havia iniciado uma esperança.. Havia vida nas cores... no percurso para o tratamento dos rins. Você, Aneliza possui uma disposição em manifestar a humanidade mesmo com estudos científicos e análises nos prontuários. Um ouvido apurado para não apenas captar a frequência dos batimentos cardíacos, mas perceber indícios de um coração dilacerado que tenta disfarçar a dor que sente e que insiste em responder apenas o que é questionado para editar sons mais profundos. Uma nitidez em ver no outro sintomas que estão camuflados em respostas rápidas e precisas. Uma doçura e gentileza em persistir com leveza.... Captando minúsculas esferas de emoções e separando tudo....colocando formol para que se preseve...depois uma parafina...para que tenha solidez e só depois fatie .... E adapte nas lâminas de análise agora científicas...não esquecendo claro de tingir de cor para que as células sejam vistas com afetividade e ao mesmo tempo esperança. Se for preciso faça as paradas...troque de perna e dê um descanso para a coluna no tempo de espera para o resultado das biópsias. Você possui um filtro que nem todo médico se dá conta que coloca, mas não utiliza. A máscara branca que você usa: sabe o quê dizer e como dizer. Escolhe as palavras simples para que seres vivos nem tão científicos decifram o que ocorre dentro deles. Uma poeta medicinal kkkk Ao ouvir sua história percebo que sua raíz na enfermagem permanece viva no exercício da medicina: zelo no cuidado pelo paciente. E não apenas o estudo de uma doença. Desejo que você conquiste o que tanto te move a estar concluindo o curso. Sabe Aneliza.... às vezes já somos o que tanto buscamos a vida toda. E não perca a pureza em se aproximar dos seres "contaminados" e "minados" com tantas doenças...de olhar com meiguice e certeza de que a busca sempre é possível. Já a resposta....vem do Pai das luzes que ilumina cada bloco cirúrgico. Com gratidão, admiração e posso dizer que uma devoção Sarinha (kkkk) pelo que tem feito pelo meu pai e por nós. Valorize! Você nasceu para ser médica! E já era antes da graduação. Só seja! Que os caminhos certos se abram... talvez leve tempo, mas continue!
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