Mais uma dia somos assustados pelo despertador e temos que migrar para a vida de luta. Após o susto, corremos para pegar o meio que nos levará ao nosso ganha pão. Quem nunca ouviu essa expressão? Somos ensinados desde cedo que temos que trabalhar e muito para comer. Meu professor na faculdade dizia: Não existe almoço de graça! É isso mesmo, e em tempos de pandemia fica ressaltado que nossa principal razão em trabalhar é garantir o alimento para viver. Não morrer de fome.
Nas viagens diárias do Move (ônibus que carrega tantos sobreviventes em uma das principais avenidas em Belo Horizonte) eu esperando minha segunda condução chegar olhando para o início da avenida....viajando antes mesmo de entrar no ônibus. Quando meus pensamentos evaporam como o álcool gel ao ouvir o guarda da estação desabafar de sua batalha no ofício de segurança.
O homem alto, careca, forte, de ombros largos e com o colete a prova de balas inicia seu relato de resistência de um dia sim um dia não na estação de ônibus. Sua função é ser um guarda costas de vários trabalhadores....isso tudo ao mesmo tempo e atento sem perder de vista os espertinhos que querem ter acesso a estação sem pagar passagem. Ele comenta da decisão de não ficar mostrando tanto serviço com o risco de acidentes: “Nem sempre a porta abre...eu não toco no botão, se alguém cair no vão entre ônibus e a plataforma eu tô com um processo nas costas.”
O manifesto dele foi sendo narrado bem no lugar de passagem entre uma estação e outra...como numa ponte ele me transportou para a realidade que não é perceptível para quem atravessa diariamente aquela estação já robotizado para a fábrica. Vejo e sinto nele um olhar de desprezo quanto a sua necessidade básica como ser humano. Sua fala é como um choro de dor frente a sua indignação em não poder comer durante as horas que passa no trabalho. Isso mesmo você não entendeu errado. Ele não pode comer nada após entrar no serviço e durante as horas lá. Ele até já levou punição por comer. E nos finais de semana....nem pode jantar quando está escalado. Talvez você ache um exagero, mas vamos a descrição da cena. Você chega ao trabalho, se prepara veste o colete para que sua segurança seja a mínima possível em caso de um sujeito estar armado e querer mirar bem no seu coração ou pulmão e roubar sua vida pra sempre ou no mínimo marcar sua história com traumas e sequelas. Protege seus pés com calçados para o duelo do bem e do mal, afinal você deve andar, parar e correr em caso de socorro as vítimas e quase nunca sentar. Sua atenção tem que ser triplicada, olhos atentos a todo o espaço, nada pode te distrair, tanto que enquanto ele relata seu fight pessoal ele continua olhando para os lados e verificando se está tudo dentro do padrão de segurança do local. Vigilante tanto fisicamente como juntamente com seu cérebro queimando neurônios diante da responsabilidade de tantas vidas que percorrem a estação para ir de um lugar a outro. Será que ele queima calorias? Nada ele deve ser um super segurança que não precisa de alimento algum afinal ele foi pago para vigiar e não para comer. Mas ele precisa de energia para caso precise correr atrás de um suspeito? Não ele não precisa disso. O que ele precisa mesmo é passar por este trabalho e ver o quanto ele é um ser humano que além de ter uma fome física...ele tem uma vontade de matar a fome de sonhar de novo com um trabalho que o lembre que suas necessidades mais profundas não devem ser ignoradas.... principalmente a de viver!
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