A virada do dia estava recente. Após uma longa reflexão na casa da minha tia voltei meus olhos para o tempo e já deveria estar em casa, afinal já era segunda.
Entrei no carro e o motorista parecia perdido e já avisava que não conhecia o lugar. A culpa do trajeto ficaria por conta do GPS do aplicativo que garantia seu sustento. Com meu smartphone na mão fui teclando e avisando no grupo da família o trajeto previsto. Se ele mudasse a rota o sequestro havia iniciado.
A luz estava altamente extinta no veículo e com isso era trabalhoso constatar quem de fato era o ser e o veículo. O ambiente parecia carregado de suspense e uma névoa se sentou ao meu lado...os crimes compartilhados via WhatsApp não paravam de notificar minha consciência quanto as possibilidades de eu ser a próxima vítima.
Meu corpo gelava antes mesmo do último suspiro. Forcei meus pés e levantei para ver se via os olhos do motorista. Infeliz tentativa, pois ou ele era baixo para eu não conseguir perceber ou estava mesmo disfarçando o olhar por não se tratar de ser de fato o personagem descrito no aplicativo.
Queria sair daquele recorte da vida o mais rápido possível, pensei e fiz meu pedido para ligar o rádio. A viagem seria desgastante e o som ficaria por conta da minha mente já que não havia rádio. O silêncio movia o medo e os próximos passos do suspeito. Por diversas experiências desconfortáveis havia decidido não papear, mas teria que disfarçar a adrenalina e os filmes de assassinatos, aqueles que o narrador descreve o bandido de tardinha sempre granulando ainda mais o sangue na tela da TV.
A prosa foi sobre os passageiros anteriores a minha vez. Eles eram muitos e o destino era uma comunidade. Seria ele um dos caras que estavam no carro antes de mim? Por que o rádio não estava ali? Fora roubado? O motorista do aplicativo era ele? A história seria apenas para me distrair e relaxar para as cenas do próximo crime?
Conversava e minhas orações eram simultâneas a cada saliva do homem na descrição de sua experiência. Em vida e sem indícios de ferimentos físicos (já no psicológico haviam hematomas) chego em casa, pagamento realizado e saio da viagem que pareceu ser a mais longa reflexão da violência que os compartilhamentos do cenário do país parecem causar ou mesmo imaginar quando tudo parece levar você a se sentir a próxima vítima no Brasil.
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